terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Bartomeu Melià: "El Paraguay sin Guaraníes es poca cosa" - UltimaHora.com

Bartomeu Melià: "El Paraguay sin Guaraníes es poca cosa" - UltimaHora.com

CARTA-DENÚNCIA PARA RECONHECIMENTO DE INDENIZAÇÕES E DOS DIREITOS TERRITORIAIS DOS MBYÁ-GUARANI NO SUL DO BRASIL

por ANAI – 23/07/2008

Tekohá Anhetenguá, 31 de março de 2008
Considerando a mobilização das comunidades Mbyá-Guarani, nas vontades expressas por nossos velhos, adultos, jovens e crianças em sucessivas reuniões ocorridas nos últimos anos e exigindo a atenção dos representantes de instituições ligadas ao Estado Brasileiro, no momento em que surge disposição para iniciar o processo de regularização fundiária de algumas áreas a serem destinadas à posse exclusiva das comunidades Mbyá-Guarani no sul do país – nós, representantes dessas comunidades no Rio Grande do Sul temos a manifestar o que se segue:
a) Não aceitamos que o atendimento a nossos direitos territoriais fique reduzido à criação de alguns poucos Grupos de Trabalhos (GTs) que não poderão operar de maneira isolada, mas sim respeitando nossa cosmo-visão integral de território e levando sempre em conta a auto-determinação étnica de todas as nossas comunidades;
b) Sabemos que a criação de GTs é um procedimento paliativo à resolução definitiva de reconhecimento oficial de nossa territorialidade tradicional;
c) Não aceitamos a realização de qualquer procedimento administrativo, nem mesmo a criação de GTs, que ocorra  objetivando promover o confinamento sumário das comunidades Mbyá ao interior de pequenas áreas ou sua submissão à tutela dos agentes estatais, religiosos ou empresariais;
d) Não aceitamos mais o desrespeito praticado pelo indigenismo oficial brasileiro que nos tem acusado e tratado enquanto índios estrangeiros, desconsiderando a legitimidade de nossa mobilidade originária além e aquém das fronteiras nacionais criadas sobre nosso território originário, mantendo nosso direito de circular por toda cosmo-geografia Mbyá (Yvy Mbté, Para Miri e Para Guaçu);
e) Não aceitamos mais o desrespeito por parte de alguns cientistas e administradores que divulgam a falsa versão de que os atuais Mbyá não possuem ligação com os Guarani que participaram da história das Missões e da história de formação do sul do Brasil, porque nossos mitos falam da vida de nossos ancestrais nas antigas aldeias sagradas feitas em pedra (Tava Miri) e também relatam o contínuo trato que nossos ancestrais mantiveram com os portugueses e seus descendentes;
f) Não aceitamos o argumento de que serão apenas os referidos Grupos de Trabalho os responsáveis pelo levantamento de provas sobre o nosso direito de ocupação tradicional, ainda mais porque ficam restritos ao estudo de áreas demasiadamente pequenas, a serem reconhecidas depois de uma tramitação demorada e burocrática; enquanto isso, nossas crianças sofrem sem que nossos direitos originários sobre a terra sejam reconhecidos de fato;
g) A comprovação sobre a antecedência histórica de nossos ancestrais Guarani na ocupação do território aparece em qualquer livro de história e em muitos trabalhos de arqueologia, sendo verdade expressa por professores nas escolas, na toponímia das localidades, em reportagens veiculadas freqüentemente pelos meios de comunicação e dita muitas vezes pela boca de políticos e de pesquisadores, todos reconhecendo que os Guarani foram os originários ocupantes de quase todo o território
do sul do Brasil e que eles foram massacrados aos milhares e expulsos para que a terra fosse ocupada por europeus e seus descendentes, cujos herdeiros compõem a população brasileira atual;
h) Exigimos também a criação de Grupos de Trabalho para avaliarem objetivamente os prejuízos pela perda e destituição de
nossos direitos originários sobre a terra, para que se chegue ao cálculo do montante de indenização devida pelo Estado Brasileiro pelo sofrimento imposto a sucessivas gerações de índios Guarani sobrevivendo em regime de marginalidade, fome, doenças e preconceito;
i) Exigimos a execução de políticas compensatórias muito mais efetivas do que a mera criação de GTs que objetivam a regularização de áreas pequenas, para que o Estado brasileiro se empenhe também em mensurar o sofrimento dos povos Guarani ao longo dos dois últimos séculos e que planeje a forma de ressarcimento por esse grande prejuízo;
j) Exigimos também a indenização pelos milhares de Guarani mortos ao longo da história, compensação que deve ocorrer através da avaliação realista (feita pela criação de Grupos de Trabalho) do número de vidas perdidas entre os Guarani, para que se faça o cálculo do total de recursos necessários para indenização de nossa gente, benefícios revertidos em atendimento diferenciado de qualidade para todas as nossas demandas por terra, sustentabilidade, saúde, educação e pleno respeito
por nossas referências culturais;
k) Exigimos que os critérios de “natureza livre” e de “acesso livre” reconhecidos recentemente pelo Ministério da Cultura / IPHAN dentro do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) sejam respeitados pelos demais Poderes Públicos, por instituições privadas e pela sociedade brasileira em geral, na aceitação da verdade dita por nossas lideranças espirituais: “Onde tem mata, ali é terra tradicional Guarani!”;
l) Exigimos que o critério “natureza livre” seja reconhecido para abrir a livre circulação das comunidades Guarani ao interior de áreas reservadas, sendo elas parques naturais (Itapuã, Turvo, Morro do Osso etc.) ou sítios históricos em que se sabe existirem referências sobre a antiga ocupação Guarani (incluindo cidades como São Borja, São Luiz Gonzaga, São Nicolau, Santo Ângelo, Gravataí, Porto Alegre, etc.);
m) Exigimos a constituição de Grupos de Trabalho para avaliação dos prejuízos ambientais gerados pelo desmatamento, pela poluição química, pelo mau uso do solo e pela ocupação imobiliária e industrial de áreas tradicionais dos antigos Guarani, a fim de definir o montante de indenização a ser pago/destinado pelo Estado Brasileiro para programas e projetos de recuperação ambiental, principalmente nas regiões onde se localizam as aldeias Mbyá-Guarani;
n) Exigimos a constituição de Grupo de Trabalho para realizar a articulação entre todos os órgãos de fiscalização
e proteção ambiental, para integrar as comunidades Guarani enquanto guardiãs dos Parques ambientais e áreas protegidas;
o) Exigimos a criação de Grupos de Trabalho para tramitar o reconhecimento pelos órgãos ambientais de nosso sistema tradicional de plantio (pela coivara) na mata e nosso direito de extração e transporte de matérias-primas vegetais e de caça, mesmo dentro de áreas protegidas;
p) Exigimos que o critério de “acesso livre” resulte na adoção de políticas de incentivos fiscais, a fim de estimular proprietários
de terras a aceitarem a presença e a circulação de representantes Guarani nas áreas de mata que existirem em suas propriedades;
q) Exigimos que o critério de “acesso livre” se aplique em todos os Parques Arqueológicos e Históricos relativos às Missões,
incluindo São João Batista, São Miguel, São Lourenço e São Nicolau; que também seja plenamente reconhecida a liberdade dos Guarani circularem por todos os lados das fronteiras internacionais do Mercosul;
r) Exigimos que o Estado Brasileiro destine recursos à indenização do valor comercial de todas as terras particulares tituladas que forem regularizadas à posse exclusiva das comunidades Mbyá-Guarani, a fim de ressarcir seus proprietários pela conivência e participação ativa dos órgãos oficiais (cartórios locais, Diretorias de Terras estaduais, regularização fundiária federal) na expedição de títulos privados fraudulentos e pelo pagamento de impostos territoriais sobre terras de direito originário que se fizer restituição aos Mbyá;
s) Exigimos que todo o processo de regularização fundiária da territorialidade Mbyá-Guarani ocorra através do apoio do Poder
Público à articulação das nossas comunidades e de nossas lideranças espirituais e comunitárias, incluindo velhos, mulheres, jovens e crianças, ponto de partida para guiar os trabalhos de qualquer equipe de técnicos e pesquisadores não-indígenas.
Por fim, apresentamos abaixo lista das principais e mais urgentes demandas territoriais colocadas pelas comunidades Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, todas elas precisando regularização urgente enquanto espaço de ocupação tradicional:
1) Ampliação e regularização da Terra Indígena Lomba do Pinheiro (Porto Alegre);
2) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia do Lami (Porto Alegre);
3) Ampliação e regularização da Terra Indígena Cantagalo (Viamão, Porto Alegre);
4) Reconhecimento de ocupação tradicional e regularização do Parque de Itapuã (Porto Alegre) como Terra Indígena Mbyá;
5) Reconhecimento de ocupação tradicional e regularização do Parque do Morro do Osso (Porto Alegre) como Terra Indígena;
6) Reconhecimento da Ocupação tradicional e regularização de Terra Mbyá na Ponta da Formiga (Município de Guaíba);
7) Ampliação e regularização da Terra Indígena da Estiva (Viamão);
8 ) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia (acampamento) de Capivari (Capivari);
9) Ampliação e regularização da Terra Indígena Capivari (Granja Vargas, Palmares do Sul);
10) Ampliação e regularização da Terra Indígena Interlagos (Osório);
11) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia (acampamento) do Pinheiro (Maquiné);
12) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia (acampamento) do Campo Bonito (Torres);
13) Reconhecimento do direito de ocupação tradicional e de acesso livre ao Parque Estadual de Itapeva (Torres);
14) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia (acampamento) do Petim (Guaíba);
15) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia do Passo Grande (Barra do Ribeiro);
16) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia (acampamento) do Passo da Estância (Barra do Ribeiro);
17) Ampliação e regularização da Terra Indígena da Coxilha da Cruz (Barra do Ribeiro);
18) Identificação e regularização da Terra Indígena de Tapes (Tapes);
19) Ampliação e regularização da Terra Indígena Água Grande (Camaquã);
20) Ampliação e regularização da Terra Indígena da Pacheca (Camaquã);
21) Identificação e regularização como Terra Mbyá das Cabeceiras do rio Icamaquã (Santo Antônio das Missões e Rincão dos
Antunes);
22) Identificação e regularização como Terra Mbyá das matas do rio Jaguarizinho (São Francisco de Assis);
23) Identificação e reconhecimento de ocupação tradicional das Matas de Mariana Pimentel (Mariana Pimentel);
24) Identificação e reconhecimento de ocupação tradicional as Matas de Ipês e Freguesia (5º Distrito de Camaquã);
25) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre contíguo ao Parque do Taim (Rio Grande e Santa Vitória do Palmar);
26) Reconhecimento, ampliação e regularização da aldeia (acampamento) do Irapuá (Cachoeira do Sul);
27) Ampliação e regularização da Terra Indígena da Estrela Velha (Estrela Velha);
28) Ampliação e regularização da Terra Indígena Salto Grande do Jacuí (Salto do Jacuí);
29) Ampliação e regularização da Terra Indígena do Inhacapetum (São Miguel das Missões);
30) Reconhecimento e regularização da Mata São Lourenço (São Miguel e São Luiz Gonzaga) como Terra Mbyá-Guarani;
31) Reconhecimento e regularização da Esquina Ezequiel (São Miguel das Missões) como Terra Mbyá-Guarani;
32) Identificação e regularização de Terra Mbyá na Costa do rio Piratini (São Miguel das Missões);
33) Reconhecimento e regularização das matas do Caaró (Caibaté e São Luiz Gonzaga) como Terra Mbyá-Guarani;
34) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre ao Parque Arqueológico de São Miguel Arcanjo (São Miguel das Missões);
35) Regularização como Terra Mbyá do Parque da Fonte Jesuítica (São Miguel das Missões);
36) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre ao Parque Arqueológico de São João Batista (Entre Ijuís);
37) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre ao Parque Arqueológico de São Lourenço Mártir (São Luiz Gonzaga);
38) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre ao Parque Arqueológico de São Nicolau (São Nicolau);
39) Identificação e regularização do Mato Castelhano (Cerro Grande) como Terra Mbyá-Guarani;
40) Identificação e regularização de Terra Mbyá em Santa Rosa (Santa Rosa);
41) Ampliação e regularização da Terra Mbyá de Guarita (Tenente Portela);
42) Ampliação e Regularização da Terra Indígena Guarani de Votouro (…);
43) Ampliação e Regularização da Terra Guarani de Mato Preto (Nonoai);
44) Ampliação e Regularização da Terra Guarani de Cacique Doble;
45) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre às áreas protegidas em cidades que se criaram sobre os antigos Sete Povos Jesuítico-Guarani: São Borja, São Luiz Gonzaga, São Nicolau, São Miguel, Santo Ângelo;
46) Identificação e regularização de Terras Mbyá em Pirapó e Garruchos (São Nicolau, na costa do rio Uruguai);
47) Reconhecimento de ocupação e de acesso livre às áreas protegidas em cidades e vilas que se criaram sobre antigas aldeias Guarani reconhecidas pela história e pela arqueologia: Porto Alegre (aldeias na praça da Alfândega, no Iguatemi, nas ilhas do delta do Jacuí); Gravataí (Aldeia dos Anjos); Santo Antônio da Patrulha (Guarda Velha); Torres (Presídio de São Domingos); São Nicolau do Rio Pardo; São Nicolau da Cachoeira (Cachoeira do Sul); etc.
48) Constituição de Grupos de Trabalho para negociação pelo livre acesso dos Mbyá em propriedades particulares existentes na periferia da algumas aldeias, como acontece na Lomba do Pinheiro, no Petim, na Coxilha da Cruz, na Água Grande, na Pacheca, no Inhacapetum, no Caaró e em outras comunidades Mbyá;
Considerando o respeito aos nossos direitos originários, garantidos pela Constituição Federal Brasileira de 1988, exigimos o imediato encaminhamento de todas nossas reivindicações e o respeito por nossa auto-determinação enquanto povo  diferenciado dentro do território nacional.
Assinam:
Mburuvixá Tenondé José Cirilo Pires Morinico
Cacique Geral Rio Grande do Sul
Cacique Tekoá Anhetenguá (Porto Alegre)
Fonte: www.anai.org.br/index.asp?co_cod=85

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ESPAÇO E TEMPO/ PATRIMÔNIO E HISTÓRIA


BEDATI APARECIDA FINOKIET

“En un nivel más profundo, los cimientos materiales de la sociedad, el espacio y el tiempo, se están transformando y organizando en torno al espacio de los flujos y el tiempo atemporal”. (CASTELLS, 1998:512)

Quando CASTELLS (1998) nos coloca essa questão do espaço dos fluxos e do tempo atemporal, isto é, da efemeridade eterna, da dissolução do tempo e sua desordenação, da seqüência dos acontecimentos assim como os conhecíamos até o momento, ele nos aponta novos paradigmas para a atualidade, colocando em pauta a simultaneidade desse tempo que muitas sociedades já defrontam. Nessa mesma linha de pensamento, este autor aborda o fato de hoje existir o “el espacio múltiple de los lugares, diseminado, fragmentado y  desconectado...” (CASTELLS, 1998:502), revertendo conceitos e padrões no que se refere às próprias relações dos indivíduos nesse espaço e tempo. É claro que, sabedores das desigualdades de informação e desenvolvimento, visualizamos aí outra desigualdade, ainda mais profunda, verdadeiro abismo entre tantos lugares do planeta, por apresentarem-se em desconexão entre si: ao passo que uns inserem-se nessa sociedade em rede, outros permanecem, como declarou CASTELLS (1998), numa atitude de lamentação perante a atemporalidade, estando ligados, ainda, àquele tempo antigo, ordenado em uma seqüência cronológica.

Ao trabalhar conceitos tão profundos que são o alicerce, a base da sociedade, ficamos a perguntar-nos se nessa nova concepção há lugar para a preocupação com a memória, a identidade e o patrimônio cultural. Sendo assim, o texto que aqui se segue é permeado de indagações e algumas certezas, buscando um “porto seguro” onde ancorar.

Tendo presente a imensa riqueza patrimonial, que gerações consecutivas produziram e ainda produzem, e a sua direta relação com a memória e a história (temas tão pertinentes neste momento, quando o homem busca sua identidade), como fica esse homem  frente a essa avalanche, ou melhor, terremoto, que abala as estruturas?  O que fica claro na nova ordem dos acontecimentos que se configura é a sentença do “atraso” infligido às pessoas que não acompanham o avanço da tecnologia da informação. Estarão essas pessoas condenadas à exclusão?  Ficarão elas desconectadas da rede, alheias à “civilização”?

Parece que preocupações com o antigo, com o patrimônio cultural, evidências materiais e imateriais (costumes, língua, brincadeiras, etc), calca-se na idéia do tempo que conhecemos e nos acostumamos no nosso dia-a-dia, o tempo do relógio, das horas e dos minutos, delineando os afazeres naquele espaço interligado a outros tantos espaços.

Todo o indivíduo é herdeiro de uma coletividade, de uma cultura, e traz em si os traços coletivos e culturais que vão determinar em grande parte o seu desempenho na sociedade. Conhecer os pais, sugar o leite materno, dá ao ser humano as bases estruturais de sua personalidade. Reconhecer o passado cultural de que somos herdeiros dá-nos a garantia do equilíbrio de nossa identidade cultural possibilitando-nos os meios de um bom relacionamento com o nosso presente e uma melhor perspectiva do nosso futuro. (HORTA)


Na sociedade em rede, talvez não exista espaço e tempo para sugar o leite materno, no sentido de manter laços com o passado. Nessa sociedade as coisas andam a passos largos e o indivíduo perde-se em meio ao fluxo.

O indivíduo do qual falo não é somente aquele do passado, das ruas e prédios antigos, das horas medidas pelos acontecimentos da natureza; é, também, o indivíduo atual, que move-se num cenário cheio de apelos à memória e aos quais ele não responde por não conhecer ou não reconhecer ali a sua história.

Fazer com que esses indivíduos apropriem-se desses elementos, transformando-os em motivação para o ensino, não é tarefa das mais fáceis, requer uma consciência dos papéis aqui desempenhados, requer, até mesmo, um questionamento sobre quem produziu os bens patrimoniais, em que circunstâncias e para quê.

Para exemplificar, podemos tomar fragmentos da história de uma simples rua chamada primeiramente de Rua da Lagoa, depois, Rua 14 de Julho, Rua 25 de Julho e, hoje, conhecida por Rua do Calçadão.

Esse espaço, em diferentes épocas, desempenhou funções determinantes relacionadas com economia, a sociedade, a política e a cultura, na cidade de Santo Ângelo.

Tomando por base o início do repovoamento, nos idos de 1860, ali encontramos uma lagoa em cujas margens viajantes paravam para descansar à sombra de árvores ou pernoitar com suas tropas de gado, a fim de seguir viagem no dia seguinte.

Nos anos posteriores, já como Rua 14 de Julho, numa alusão à queda da Bastilha e à promulgação da constituição do estado do Rio Grande do Sul, o mesmo espaço delineou  uma nova configuração na História do município: a rua, outrora considerada demarcatória do final dos limites urbanos municipais, passou a demarcar um espaço caracteristicamente étnico, como se ali existisse, plantado em meio ao sítio urbano, um muro, como uma linha de Tordesilhas, diríamos, a demonstrar a existência de dois países fictícios (Brasil e Alemanha), dentro do mesmo município, frutos de tradições incorporadas e arraigadas no convívio dos moradores.

Tal fato se originou da própria ocupação, em tempos distintos, do lado sul e do lado norte de Santo Ângelo (a partir da rua que, coincidentemente, não observa o sistema quadriculado das outras, conforme o planejamento urbanístico do período jesuítico-guarani), por indivíduos e famílias de origem portuguesa, no mesmo lugar ocupado anteriormente por casas, igreja, claustro, escola, cemitério e oficinas da antiga redução, e por famílias de origem alemã, chegadas com o advento da estrada de ferro, do lado norte da cidade.

Segundo sua trajetória evolutiva, observamos a mudança de nome, na década de 1950, para Rua 25 de Julho, em homenagem à imigração alemã e, conseqüentemente, ao colono. Agora a rua passou a destacar-se como centro comercial para onde convergiam carroças vindas do interior trazendo os produtos agrícolas a serem comercializados em bolichões, vendas ou casas comerciais ali  localizadas.

Daí por diante, esse logradouro assumiu uma posição estratégica para o desenvolvimento local, vindo a receber um calçadão, espaço cultural e social de relevo para os moradores.

A rua 25 de Julho é apenas um entre tantos referenciais patrimoniais que podem ser plenamente utilizados dentro da metodologia da Educação Patrimonial, podendo esse enfoque estender-se para tantos outros bens edificados ou produzidos pelos homens, atualmente guardados e preservados nos museus e arquivos históricos.

A questão a ser levantada ao debatermos a temática da sociedade em rede nos direciona para uma análise de como conjugar as mudanças rápidas que a própria evolução humana em termos tecnológicos produz com pressupostos como Memória e Identidade.

Que lugares foram ou serão reservados, no presente ou futuro próximo, para alguns, nos quais existirá possibilidade para falar, pensar ou  viver essas questões?

Uma proposta que trabalha basicamente com os sentidos, a observação e a emoção é cabível nestes novos tempos?

Pensar em termos de ensino e educação nos níveis propostos de descoberta e valorização da identidade local, com o intuito de estabelecer um bom relacionamento com o passado e de melhorar a perspectiva para o futuro, é viável?

Ouso arriscar respostas em vista das minhas convicções, se não, de nada adiantaria conservarmos com tanto zelo nossos bens patrimoniais.

Nesta sociedade em rede, atemporal, com espaços de fluxos, onde o homem é capaz de acionar uma quantidade enorme de informações em segundos, onde ficaria o tempo para conhecer e vivenciar as experiências dos antepassados?

Acredito, sim, nesses conhecimentos como ferramentas para o melhor relacionamento dos seres, na tecnologia sendo utilizada para reconstruir ou reconstituir, ao longo de pesquisas, o espaço habitado tempos atrás, como é o caso dos computadores, que podem, por meio de diversas fontes documentais, remontar os cenários arquitetônicos antigos das cidades.

Eis o valor da sociedade em rede: recuperar informações passadas, trazendo e divulgando no presente o que se julgava perdido ou desconhecido.

La historia sólo está comenzando, si por ella entendemos el momento en que, tras milenios de batalla prehistórica com la naturaleza, primero para sobrevivir, luego para conquistarla, nuestra especie há alcanzado el grado de conocimiento y organización social que nos permitirá vivir en un mundo predominantemente social. Es el comienzo de una nueva existencia y, en efecto, de una nueva era, la de la información, marcada por la autonomía de la cultura frente a las bases materiales de nuestra existencia. Pero no es necesariamente un momento de regocijo porque, solos al fin en nuestro mundo humano, habremos de minarnos en el espejo de la realidad histórica. Y quizás no nos guste lo que veamos. (CASTELLS, 1998:514)


A história ou a nova fase da história que “só está começando”, nos coloca o grande desafio de não renegarmos nosso passado em nome dos atuais elementos que agora surgem.
Podemos, sim, fazer um bom uso deles, colocando-os a serviço de projetos como os de restauração de bens arquitetônicos, recriação, através do meio virtual, de antigos espaços para servir à educação patrimonial e à preservação da memória.

Creio que o valor do lugar e, por conseguinte, da história desse lugar:  com seus indivíduos, casas, ruas, praças e memórias, não irá perder-se, mesmo com o fato da globalização que hoje é algo a nos atingir nas nossas relações cotidianas. Essa globalização levou-nos a uma “nova relação com o mundo, porque o vemos por inteiro” (SERES)

Conforme SANTOS (1996):
Na verdade, a globalização faz também redescobrir a corporeidade. O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a freqüência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de aprender. Talvez, por isso mesmo, possamos repetir com Edgar Morin (1990, p. 44) que “hoje cada um de nós é como um ponto singular de um holograma que, em certa medida, contém o todo planetário que o contém. (SANTOS, Milton, 1996:251)


Sejamos, então, corpo constituído  de memória e identidade, referência da nossa história, indivíduos capazes de um bom relacionamento com esses espaços e tempos, em rede e atemporal, mas sem descuidar daquilo que foi constituído ao longo dessa trajetória da humanidade e nos é tão caro: o nosso patrimônio cultural.










BIBLIOGRAFIA


CASTELLS, Manuel. La era de la información. Economía, sociedad y cultura. v. 1. Madrid : Alianza, 1998.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Educação patrimonial.  Vv. I e II. Mimeo S/R.      
SANTOS, Milton. A natureza do espaço – técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo : Hucitec, 1996.

SERES, Michel. [Entrevista a Bernardo Carvalho.] Folha de São Paulo, 21/4/1990.












ANITA GARIBALDI: A HEROÍNA DE DOIS MUNDOS

Ana Maria de Jesus Ribeiro era seu nome. A jovem heroína de dois mundos: Brasil e Itália, nasceu no dia 30 de agosto de 1821, em Laguna ,Santa Catarina. Sua mãe, Maria Antonieta de Jesus, era natural de Lages (SC), e seu pai, Bento Ribeiro da Silva ( tropeiro condutor de gado e lavrador),nascera em São José dos Pinhais (PR).
Após a morte de seu pai e de três irmãos, casou-se  aos 14 anos, com o sapateiro Manuel Duarte  de Aguiar, que tinha o dobro de sua idade.
Foi durante a tomada de Laguna, em julho de 1839, que Anita veio a conhecer aquele que seria o grande amor de sua vida, o italiano Giuseppe Maria Garibaldi, um dos líderes farroupilhas que, juntamente com David Canabarro e Joaquim Teixeira Nunes, proclamaram a República Juliana, em Santa Catarina.
A vida  de Anita mudou totalmente a partir do momento que tomou a decisão de acompanhar Garibaldi, tornando-a uma das personagens que marcaram o episódio da Revolução Farroupilha, por sua bravura e coragem. Ao lutar ao lado de Giuseppe e dos farroupilhas, enfrentou as situações mais inusitados, como  quando foi feita prisioneira pelas forças imperiais e fugiu em um cavalo, atravessando o rio Canoas agarrada às crinas deste, estando grávida de quatro meses
Logo que seu primeiro filho (Menotti) nasceu, novamente passou por outra situação difícil: para escapar do ataque dos imperiais, teve de fugir  com seu filho, a cavalo, quando estava com apenas 12 dias do parto.
Em 1841, após ser dispensado do exército farroupilha por Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi seguiu com sua companheira Anita para o Uruguai. Lá, ele passou a dar aulas de matemática, história e caligrafia enquanto Anita costurava para auxiliar no orçamento doméstico.  Foi neste país que eles se casaram, no dia 26 de março de 1842, pois Anita já estava viúva do primeiro marido.
Foi em Montevidéu que Anita teve mais três filhos: Rosita, Teresita e Ricciotti. Nessa época, Garibaldi lutou ao lado do presidente Fructuoso Rivera, contra Rosas, criando a Legião Italiana. Anita foi incorporada à Legião como enfermeira, pouco tempo depois da morte de sua filha Rosita.
Somente em 1847, ela  e seus filhos iriam para a Itália, onde aguardariam a chegada de Giuseppe.  Nesse país, mais uma vez, a  destemida Anita iria lutar ao lado de seu amado, durante o processo de Unificação Italiana.
Anita e seus três filhos foram recebidos com muitos festejos em Gênova. Conforme ela relatou em uma carta a um amigo: “(...) mais de três mil pessoas vieram gritar em frente à casa: Viva Garibaldi! Viva a família de nosso Garibadi!”
Quando  Giuseppe Garibaldi retornou para a Itália, passou a participar intensamente das lutas pela Unificação Italiana. Em 1849, quando  ele estava sitiado em Roma pelos franceses, Anita resolveu ir ao seu encontro para lutar ao seu lado, deixando seus filhos sob os cuidados da avó paterna. Mesmo grávida de seis meses, lutou heroicamente quando da retirada de Roma.  Nessa  época, estava bastante adoentada, com febre, e mesmo assim, acompanhou o marido na resistência aos austríacos.
Após participarem da luta e fugindo de forma espetacular, o casal foi buscar abrigo e segurança na fazenda Guicciolo, em Mandriole. Já bem debilitada, Anita falece ali, no dia 4 de agosto de 1849. Assim escreveu Garibaldi sobre a perda de sua amada companheira: ”Eu chorei amargamente a perda de minha amada Anita. Aquela que foi companheira inseparável nas mais aventurosas circunstâncias da  minha vida.”
Em função da aproximação das tropas austríacas, Garibaldi partiu da fazenda e o corpo de Anita foi enterrado num pasto próximo da casa Motte della Pastorara. Posteriormente seu corpo foi retirado dali sob a responsabilidade do pároco de Mandriole que providenciou o registro do sepultamento dos restos mortais de Anita, para que ela pudesse ser identificada posteriormente.
Após quase uma década, seus restos mortais foram exumados e clocados na sacristia, dentro da igreja de Mandriole. Dois meses depois, Garibaldi e seus filhos Menotti e Teresita vão a Mandriole  e levam os ossos de Anita, num cortejo solene , para depositá-los em Nice ( ainda italiana), no túmulo de sua mãe Rosa Raimond.
Novamente, em 1931, os restos mortais de Anita foram exumados e levados para Gênova, temporariamente. No dia 2 de junho de 1932, em solenidade oficial, os restos mortais de Anita Garibaldi foram depositados  à base do monumento levantado em sua honra, em Roma.
Em 1998, a cidade de Laguna  tomou a iniciativa de repatriar os restos mortais da heroína dos dois mundos, sendo criados um museu e uma fundação cultural em sua homenagem.




sábado, 27 de novembro de 2010

Dr. Miguel Bartolomé

Dr. Miguel A. Bartolomé, Licenciado en Antropología por la Universidad Nacional de Buenos Aires; Maestro y Doctor en Sociología por la Universidad Nacional Autónoma de México, es también Profesor e Investigador del Instituto Nacional de Antropología e Historia de México y miembro del Sistema Nacional de Investigadores y de la Academia Mexicana de Ciencias, así como de la AIP (Paraguay).


“Este libro pretende analizar las manifestaciones contemporáneas del proceso histórico y cultural por el que atraviesa una de las etnias o parcialidades del grupo etnolingüístico guaraní, el Pueblo Mbya. Todo induce a pensar que este Pueblo se desarrolló en el oriente del río Paraguay, región que históricamente incluía también el oriente del río Paraná, es decir territorios que ahora pertenecen al Paraguay, Brasil y Argentina, y que fueran el lugar de asentamiento de la tradición neolítica amazónica, de la que eran portadoras las aldeas agrícolas indiferenciadas guaraníticas. Se discuten en este libro los orígenes históricos y culturales recientes, el poblamiento regional, la configuración cosmológica contemporánea, la relación entre sociedad y naturaleza, la organización social y el contexto interétnico actual del Pueblo Mbya”. (Miguel A. Bartolomé)

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Projeto Baú da História

30/04/2008 | 19h48min

História é levada de casa em casa em Santo Ângelo

Na cidade das Missões, baú com livros de autores locais circula entre moradores

Silvana de Castro, Santo Ângelo | silvana.castro@zerohora.com.br
Dois baús repletos de livros de história circulam pelas residências próximas ao Sítio Arqueológico da Redução de Santo Ângelo Custódio desde o final da tarde de hoje. O projeto Baú da História foi lançado hoje, pela prefeitura de Santo Ângelo.
Cada baú de madeira contém 16 obras de autores locais. O projeto pretende socializar as informações sobre as Missões e incentivar o interesse dos moradores pela história local.

Os baús são levados pela historiadora da prefeitura, Bedati Finokiet, a cada residência. Ficam com o morador por uma semana. Bedati aproveita o contato para coleta informações sobre vestígios arqueológicos, fotos, documentos e entrevistar o morador para um inventário.

Num primeiro momento, serão visitados aqueles que residem no entorno da Praça Pinheiro Machado. Posteriormente, o projeto será ampliado para os demais habitantes do município.

http://www.canalrural.com.br/canalrural/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&action=noticias&id=1846346&section=

ABA

DOCUMENTO DA ÁREA DE ANTROPOLOGIA PARA A 4ª CNCTI 
Associação Brasileira de Antropologia-ABA 
Breve diagnóstico sobre a situação da antropologia 
A antropologia constitui um campo consolidado e dinâmico no Brasil. No últimos anos, além de sua força tradicional, ela tem caminhado no sentido de ampliar sua relevância internacional, desempenhar um papel de maior importância na formulação de políticas e propostas para a sociedade e renovar seu próprio campo de pesquisa. Isso tudo, somado ao reconhecimento nacional e internacional pelos seus patamares de excelência, é resultado de uma relação indissociável entre programas de pós-graduação, ensino e pesquisa. Especialmente na última década houve uma crescente expansão dos programas de pós-graduação, tanto no que se refere à formação de recursos humanos quanto à produção científica. Assiste-se a uma inédita criação de cursos de graduação em antropologia em resposta a uma maior demanda por parte de órgãos governamentais, ONGs, institutos de pesquisa, sindicatos, instituições privadas de ensino superior, departamentos e institutos vários, por profissionais formados em antropologia. O número de programas de mestrado e de doutorado praticamente dobrou. Em 2001, havia dez programas de mestrado e seis programas de doutorado em antropologia concentrados em sua maioria no centro sul do país. Hoje são 18 programas de mestrado e 12 de doutorado. Com a expansão, aumentou o número de programas no Nordeste. Os programas de mestrado e doutorado passaram de um curso de mestrado e um doutorado para cinco cursos de mestrado e dois de doutorado. Também na Amazônia Legal, onde o único mestrado em antropologia havia encerrado suas atividades em 2005, foram criados recentemente dois programas de mestrado e de doutorado, respectivamente em Manaus e Belém, um destes resultando de indução da CAPES. Com base na inter-relação entre pesquisa e docência, antropólogos das várias instituições do país estão realizando pesquisas de ponta na intersecção de várias áreas de conhecimento que são de grande valor para a ciência, tecnologia e inovação. Entre estas estão os trabalhos em antropologia visual - que faz interseção com cinema, fotografia, iconografia, artes em geral, tecnologias da comunicação etc. – e a ampla experiência de pesquisa na Amazônia Legal, tanto no cerrado quanto no pantanal, em que antropólogos têm focalizado a relação entre populações, agrobiodiversidade e conhecimento tradicional, desenvolvimento e padrões de agricultura sustentável, conflitos ambientais, entre outros. Ressalta-se também o papel-chave da pesquisa antropológica na interface com as políticas públicas para grupos “minoritários”, característico do atual momento político nacional e global, bem como a eficaz atuação da antropologia brasileira em prol de uma educação para uma sociedade multi ou intercultural e, portanto, na promoção do reconhecimento e apreciação da diferenças entre povos e etnias. A manutenção e crescimento de uma comunidade antropológica de alto nível são pontos estratégicos para o bom desempenho em cenários republicanos conflitivos nos quais os antropólogos são chamados a atuar. O reconhecimento da seriedade e da qualidade da antropologia brasileira nessa frente exprime-se, por exemplo, na existência de um duradouro e ativo convênio entre a Associação Brasileira de Antropologia e o Ministério Público da União. Além disso, são igualmente importantes as presenças de duas associações científicas, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA, fundada em 1955) e a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Ciências Sociais (ANPOCS, em 1977), com seus congressos e liderança institucional. A ABA, em particular, tem atuado no contexto internacional em prol da formação do World Council of Anthropological Associations; e o lançamento, pela mesma associação, de uma revista on line, a Vibrant – Virtual Brazilian Anthropology -, com textos de antropólogos do Brasil em inglês, francês e espanhol, contribui decisivamente para um movimento de internacionalização.
Historicamente, a antropologia brasileira se caracteriza por um preponderante interesse por problemáticas relacionadas à etnologia indígena, às populações afro-brasileiras, às questões do campo e das cidades do Brasil, bem como aos diversos aspectos da cultura nacional. Entretanto, na década de 1980, começou um processo paralelo de internacionalização da pesquisa de campo resultante do interesse de alguns pesquisadores em fazer pesquisa fora do Brasil, da crescente atração de alunos de outros países (em especial, mas não somente, da América Latina), assim como do interesse cada vez maior por estudos comparativos no âmbito de convênios e intercâmbios bilaterais. Dessa forma, passa-se a gerar pesquisas não apenas na América Latina, mas na África e em países como o Timor Leste e China. Assim, a antropologia brasileira, que sempre teve fortes relações com a antropologia francesa, inglesa e norte-americana, ocupa hoje inegável liderança na América Latina e proeminência em suas relações com a antropologia portuguesa e com os países africanos de expressão portuguesa. Frise-se, finalmente, que várias instituições e pesquisadores da área de antropologia associaram-se a instituições e pesquisadores de outras áreas e lideram um INCT, o Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos, um dos dois existentes na área estratégica de Segurança Pública, do Plano Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, integrando-se à política pública de ciência e tecnologia voltada para a formação de redes de pesquisadores e instituições, para a produção de conhecimento e de quadros capazes de reproduzi-lo, além de promover sua difusão na sociedade mais ampla. Desafios - Os novos cursos de graduação e sua avaliação Até recentemente, não havia nenhum curso de antropologia ao nível de graduação, dando-se a formação somente ao nível da pós-graduação. A metade dos egressos de programas de pós-graduação em antropologia provinha de cursos de graduação de ciências sociais e, os demais, de outras áreas (Trajano Filho e Ribeiro 2004). Entretanto, entre 2005 e 2010, tendo em vista o aumento da demanda por antropólogos no mercado – por parte de ONGs, institutos de pesquisa, agências governamentais, sindicatos e outros – e a necessidade de proporcionar melhor qualificação profissional, sete cursos de graduação em antropologia foram criados, no âmbito do Reuni, cinco dos quais já em funcionamento. A criação de cursos de graduação em antropologia tem sido foco das discussões e debates realizados no âmbito da ABA desde início da década de 1990. Levando em conta as exigências de diminuição do tempo de titulação do mestrado e ao mesmo tempo os desafios do ensino decorrentes das novas exigências profissionais da carreira (ainda não regulamentada), tornou-se necessário realizar uma reavaliação da antropologia na graduação e de seu lugar tradicional no âmbito das ciências sociais em favor de uma perspectiva mais ampla e humanista centrada na tradição antropológica e nos desafios contemporâneos. (Tavares 2009). Com esse objetivo, ao invés da formação pontual em mestrados profissionais que enfatizam a eficiência técnica, os novos cursos de graduação recentemente implantados, embora com currículos diversos, se dispõem a dar aos alunos competência profissional em antropologia, inclusive ênfase em pesquisa de campo e disciplinas introdutórias à arqueologia e à lingüística antropológica, ou habilitações em antropologia social e arqueologia, por exemplo. Os currículos desses novos cursos, como de outros afins que tendem a considerar as interfaces da antropologia com outras áreas disciplinares (inclusive daquelas existentes com as ciências sociais), são uma resposta ao desafio de se dar a necessária formação em antropologia para atender à crescente demanda por antropólogos no mercado trabalho. Como são cursos novos, torna-se imperativo acompanhar, avaliar e refletir criticamente sobre o seu desenvolvimento. - Expansão da pós-graduação em antropologia, dispersão e superação de papel subalterno
Os novos cursos resultaram, via-de-regra, de desmembramentos de programas de ciências sociais ou sociologia que geralmente contam com a participação de antropólogos em seu corpo docente. Dado esse vínculo histórico, em algumas instituições os antropólogos, além de atuarem em seus programas disciplinares, independentemente da expansão de programas de antropologia, continuam a atuar em programas de diferentes áreas de conhecimento, predominantemente em cursos de ciências sociais ou sociologia, cujos números também têm aumentado. Assim, boa parte da pesquisa antropológica, em especial na Amazônia e no Nordeste, ainda é realizada em cursos de ciências sociais - e particularmente por antropólogos de outras áreas do país e do exterior - apontando, assim, para um outro desafio representado pela persistente dispersão da pesquisa. Esta também indica a posição subalterna de antropólogos (como também de lingüistas e arqueólogos) no sistema de pós-graduação dessas regiões e as dificuldades de consolidação de trabalhos amparados em pesquisas etnográficas e no trabalho de campo. - Prioridades de pesquisa e novos temas A produção do conhecimento antropológico é em grande parte baseada em trabalho de campo que implica em vivência prolongada dos pesquisadores com seus sujeitos de pesquisa. Da mesma forma, os diálogos intelectuais entre orientador e orientando, com base numa relação de certa forma artesanal, são cruciais para a formação do antropólogo (Trajano 2001). Se o trabalho de campo (que tende a ser individual) e a relação artesanal entre orientador e orientando constituem pontos fortes da produção do conhecimento antropológico e da formação disciplinar, ao mesmo tempo tendem a levar a certa fragmentação da produção em torno de um grande número de linhas e grupos de pesquisa. Assim, se em 1979, o CNPq registrava 215 linhas de pesquisa antropológica, em 2001, passaram a ser 475 e 142 grupos. O grande desafio será o de estimular a formação de redes que possam levar a elaboração de grandes projetos sem perder essa característica da pesquisa antropológica minuciosa e intensiva. Torna-se importante refletir sobre uma agenda com prioridades de pesquisa, em um contexto em que as temáticas e os sujeitos de pesquisa se multiplicam para uma disciplina cuja articulação com a sociedade vai além do usual atendimento das demandas de mercado, que em geral permeiam as relações universidade-sociedade. Na interface com a saúde, por exemplo, a análise antropológica torna-se relevante para entender as representações sobre doenças e processos terapêuticos como parte dos sistemas simbólicos culturalmente ordenados e os contextos sociais nos quais ocorrem, como também para examinar e analisar os aspectos organizacionais, institucionais e político-ideológicos dos programas de saúde pública. Estudos realizados na cidade, seja na intersecção com a sociologia ou com o direito, têm examinado problemáticas sobre, por exemplo, grupos urbanos, pobreza, movimentos sociais, violência, justiça, religião e políticas de administração de conflitos entre outras que podem igualmente subsidiar políticas públicas. Nesse âmbito, os estudos sobre gênero, família, gerações, sexualidade e reprodução recobrem focos muito importantes da atenção e preocupação pública. Embora seja uma área ainda incipiente, desenvolve-se, por outro lado, com grande vigor a antropologia da ciência e da técnica, acompanhando tendências internacionais. É um campo promissor de interação e diálogo interdisciplinar, favorecendo a reflexividade geral da experiência científica e tecnológica em nosso país, particularmente nessa delicada fronteira entre as ciências hard e soft. Esta perspectiva mais ampla da antropologia foi extensamente discutida pela comunidade antropológica em 2005, particularmente no âmbito da Área de Antropologia e Arqueologia da CAPES e da Associação Brasileira de Antropologia, por ocasião da elaboração de uma nova tabela de áreas de conhecimento solicitada pelo CNPq. Com base nessas discussões, foi sugerida a formação de duas subáreas, nomeadamente Antropologia Social/Cultural e Antropologias Especializadas (especificamente Antropologia Biológica, Antropologia Lingüística e Cultura Material) e 37 especialidades. Muito embora não tenha sido implementada, essa tabela indica, assim, o amplo escopo da antropologia que se faz atualmente no Brasil e suas interfaces com outras áreas disciplinares que vão além da tradicional e contínua relação com as ciências sociais. - Regionalização Os investimentos recentes feitos na expansão de cursos de graduação e pós estão sendo imprescindíveis para a formação de quadros e a consolidação de grupos de pesquisa na Amazônia Legal e o Nordeste. Entretanto, deve-se chamar a atenção para o fato de que, mesmo com esses investimentos, somente um terço do total dos cursos de pós-graduação em antropologia estão atualmente localizados nessas regiões. Além das grandes distâncias na região amazônica, que dificultam a comunicação, esses novos cursos, embora com bons corpos docentes, carecem de infra-estrutura, especialmente em recursos bibliotecários. Portanto, persistem os desafios de se dirimir essas desigualdades regionais que, no caso da Amazônia Legal são dramáticas, a despeito dos investimentos. É importante estimular uma atuação que seja descentralizada e que seja operacionalizada por meio da formação de redes inter-institucionais. As redes de pesquisa a partir do centro-sul não obtém, como resultado, a geração de profissionais qualificados nas regiões citadas. Levando-se em conta que existe um forte potencial para redes e cooperações entre instituições que atuam nos diferentes estados da Amazônia, torna-se imprescindível descentralizar e regionalizar a pesquisa e o ensino. Os convênios e parcerias, portanto, devem ser formados tanto com os pólos de pesquisa e ensino no centro-sul brasileiro quanto no interior da região. - A questão dos quatro campos Se a pós-graduação brasileira se caracterizou desde a sua implantação por uma formação em antropologia social está começando a surgir no Brasil (como também nos EUA) uma emergente re-apropriação do modelo dos “quatro campos” (arqueologia, antropologia social/cultural, antropologia biológica e antropologia lingüística), no quadro da globalização contemporânea. Esse modelo, que nos primórdios da antropologia foi utilizado para analisar a humanidade através de grandes esquemas evolucionistas e difusionistas, está sendo reelaborado e sobreposto às práticas de trabalho de campo microscópicas desenvolvidas a partir de estudos realizados em sociedades e culturas particulares para analisar um amplo leque de problemáticas contemporâneas, relacionadas à produção do conhecimento tradicional, ao patrimônio cultural e inclusão social, ao desenvolvimento econômico e social, entre outros, que levam às interfaces com outras áreas do conhecimento. Ao se valer das interfaces com diferentes áreas disciplinares (não só das outras ciências sociais como com o direito, saúde, biologia, lingüística, ecologia e educação, entre outras) e, portanto, de maior interdisciplinaridade, os antropólogos têm relacionado seu conhecimento in loco sobre culturas e práticas locais a processos macroscópicos, contribuindo sistematicamente com subsídios para a formulação de políticas públicas em várias áreas, bem como para retratar a dimensão humana, social e cultural da ciência, tecnologia e inovação. É preciso, para tanto, privilegiar a formação de redes e campos interdisciplinares como, por exemplo, antropologia indígena e direito, territorialização e estado, biodiversidade e antropologia ambiental, antropologias simétricas (etnobiologias e biologias; antropologias perspectivistas), patrimônio material e imaterial, antropologia e saúde e antropologia e educação. Recomendações I - Diretrizes Gerais Deve-se valorizar a riqueza e diversidade da produção antropológica, que é, inevitavelmente, inter, multi e transdisciplinar. Por não ser uma disciplina fechada, a antropologia traz perspectivas e pontos de vista, que se caracterizam por modos de investigação e tradições de trabalho que permitem não apenas a existência de um conjunto atuante de pesquisadores que compartilham experiências e projetos característicos, mas um modo de olhar o mundo e a sociedade, com potencial não só de desenvolvimento científico no sentido restrito, mas de ação social no sentido mais amplo. As diversas perspectivas abertas pela antropologia são importantes para expor a dimensão humana da ciência, tecnologia e inovação:
1. realizar, sob a coordenação da ABA, planejamento estratégico da área com o objetivo de estabelecer uma agenda de prioridades de pesquisa baseada em estado da arte da antropologia pós-Reuni relacionada à CT&I; 2. realizar, sob a coordenação da ABA, um estado da arte das relações interdisciplinares da antropologia – como as existentes entre antropologia e saúde, antropologia e direito, antropologia e patrimônio cultural, antropologia e estudo das cidades, antropologia e desenvolvimento, antropologia e educação etc. - que possa resultar na operacionalização de projetos multidisciplinares de relevância para a CT&I; 3. promover a articulação de redes de pesquisa nessas diversas áreas interdisciplinares da antropologia que possam eventualmente ser revertidas em grandes projetos de pesquisa; 4. nesse contexto, estabelecer grandes campos de atuação da antropologia. Por exemplo: antropologia e direito; globalização; geopolíticas internacionais; questão étnica; questão interétnica; políticas da identidade e da diferença; antropologias e políticas públicas. 5. estimular a reflexão sobre o papel da antropologia em um Brasil global player, no contexto de emergência de novas lideranças e potencias mundiais; 6. definir o papel e atuação dos antropólogos numa sociedade multi, inter e pluricultural, assim como seu papel no reconhecimento e apreciação da diferença, particularmente no tocante à elaboração de políticas públicas voltadas para segmentos sociais urbanos e rurais em situações de desvantagem e risco social, sociedades indígenas, quilombolas e outros grupos étnicos diferenciados. II - Nas políticas de incentivo a CT&I para Norte, Nordeste e Centro Oeste. 1. respeitar as especificidades históricas das regiões, criando modelos próprios a elas, estimulando, promovendo e possibilitando a cooperação científica e tecnológica com programas e grupos de C&T consolidados no país; 2. descentralizar e regionalizar a pesquisa e o ensino. Convênios e parcerias devem ser formados tanto com os pólos de pesquisa e ensino do centro-sul do Brasil quanto no interior da região. 3. realizar investimentos em C&T para promover inovação com base nos recursos existentes, a fim de articular e potencializar recursos para suprir as imensas carências regionais; 4. investir na formação de Programas de Pós-Graduação, a partir da criação e consolidação de estruturas de pesquisa, extensão e intervenção, potencializando os recursos existentes nos cursos de graduação e pós-graduação e incentivando a iniciação científica; 5. valorizar e registrar de modo equânime iniciativas intra-regionais que possam facilitar e promover a circulação de recursos humanos e materiais em C&T; 6. promover e apoiar linha de investimentos na disponibilização, via internet, e divulgação de obras científicas de primeira linha (a serem sugeridas pela área), para atender às demandas por bibliotecas; 7. rever os processos de avaliação adaptando-os às formas de articulação em que o interinstitucional deve ser valorizado com peso igual a todas as instituições participantes; 8. intensificar o fomento de programas do tipo DINTER, MINTER e PROCAD como soluções emergenciais para acelerar a implantação e promover a melhora dos programas de pós-graduação, especialmente em regiões carentes como a Amazônia Legal;. 9. estimular a criação de programas de pesquisas associados a programas de pós-graduação, assim como aos novos cursos de graduação em antropologia, facilitando aos pesquisadores-doutores treinar alunos, particularmente através de iniciação científica; 10. dotar estes núcleos de infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de suas atividades, incluindo estruturas físicas adequadas, valorizando os programas já existentes e dando continuidade às iniciativas testadas com resultados bastante positivos. III – Nas políticas de financiamento à pesquisa
1. adequar a dotação de os recursos das agências financiadoras e prioridades às necessidades de

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Participação no II Fórum Social Missões

Jornal dos Vales - notícias: II Fórum Social Missões: "Sociedade indígena é modelo de autonomiaA origem do Rio Grande do Sul está no seu povo guarani, cujos hábitos foram praticamente extintos ju..."

Palestra

Secretaria de Cultura Santo Ângelo - RS: Cacique Mbya-Guarani realizará palestra na XVIII S...: "Mokoi Tekoá Petei Jeguatá – Duas aldeias, uma caminhada A Prefeitura Municipal de Santo Ângelo, através da Secretaria municipal de Cultura,..."

PUBLICAÇÃO - LIVRO ARCA DA MEMÓRIA


ARCA    DA    MEMÓRIA
Em março de 2003, durante as comemorações dos 130 Anos de Emancipação de Santo Ângelo, era publicada a 1ª edição do livro “Arca da Memória”, de minha autoria. Passados sete anos e na perspectiva do lançamento de uma nova edição, revisada e ampliada, destaco o registro feito pelo deputado federal Augusto Ribeiro Nardes (hoje Ministro do Tribunal de Contas da União), nos Anais da Câmara dos Deputados, na época:

O SR. AUGUSTO NARDES (PP - RS) pronuncia o seguinte discurso: Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, chegou-nos às mãos exemplar de publicação merecedora de muitos elogios, como também de registro nos Anais da Câmara dos Deputados.
Trata-se do livro Arca da Memória, de artigos sobre a história da cidade sul-rio-grandense de Santo Ângelo, escrito por Bedati Finokiet.  Formada em História, mestre em Educação nas Ciências, integrante da Academia Santo-angelense de Letras e professora das Universidades Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) e Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), a autora compilou fatos históricos do município, que, de outra forma, estariam dispersos.
A edição de Finokiet vem à luz quando Santo Ângelo completa 130 anos de existência, fervilhando de um passado valioso e prenunciando um futuro de tantas ou mais realizações. Arca da Memória faz um resgate histórico e lega às vindouras gerações o precioso registro.
Nas palavras de Mário Simon, presidente da Academia Santo-angelense de Letras, que redigiu a apresentação do livro, “essa historiadora foi garimpando o passado local e estendendo paulatinamente um painel de fatos, acontecimentos, costumes, crenças, festas, ações e períodos belicosos, sociedades, comemorações, formas de lazer, imigração, periódicos, rádio, personalidades, monumentos, datas importantes, políticos e artistas proeminentes, educação e tantos outros registros que integram a obra, que vem acompanhada de farta documentação fotográfica”.
Para citar apenas um dos importantes fatos registrados no livro de Bedati Finokiet, elegemos a insigne presença de Luís Carlos Prestes em Santo Ângelo, lugar em que residiu na década de 20. O Cavaleiro da Esperança, como viria a ser conhecido mais tarde, fora transferido para o Rio Grande do Sul como fiscal da construção dos quartéis, após a Revolta dos Dezoito do Forte de Copacabana.
Nas proximidades de Santo Ângelo, designado para executar e coordenar os trabalhos de construção de uma ponte sobre o rio Comandaí, iniciou, por conta própria, a alfabetização de toda a Companhia – cerca de duzentos homens. Prestes também é lembrado pela relevante participação na instalação da rede de energia elétrica do município.
Foi com os soldados do primeiro Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo que viria a formar a espinha dorsal do levante que viria a ser conhecido como Coluna Prestes. Tanto o Memorial quanto o monumento “Coluna Prestes”, em Santo Ângelo, registram a frutífera passagem do importante cidadão brasileiro por aquelas paragens.
Bedati Finokiet faz esses relatos de maneira detalhada, prendendo a atenção do leitor àquilo que é a história de uma cidade, a preparação do hoje que conhecemos e do futuro que nos aguarda.
As evidências dos aspectos políticos, econômicos, religiosos, culturais e sociais de Santo Ângelo estão ao alcance da mão, portanto, merecedores de todo nosso apreço. Como bem descreve Mário Quintana – patrono da cadeira ocupada pela autora na Academia do município –em trecho reproduzido por ela no prefácio: “Há uma cor que não vem dos dicionários. É essa indefinível cor que têm todos os retratos, os figurinos da última estação, a voz das velhas damas, os primeiros sapatos, certas tabuletas, certas ruazinhas laterais: a cor do tempo...”   2003_4118_Augusto Nardes.”

PUBLICAÇÃO - LIVRO ARCA DA MEMÓRIA

Comunidade Quilombola III

Comunidade Quilombola II

Comunidade Quilombola

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

ESCRITOS II

Genoveva*
Lembrar de Genoveva é voltar ao passado, percorrer espaços da infância, sentir odores, ouvir sons e rever imagens que ficaram gravadas na memória. A lembrança do fogão à lenha, da chapa quente e do cheiro gostoso da geléia de uva.
São marcas e marcos de uma história feita de dias e noites de trabalho.  O ferro à brasa, as roupas engomadas, o velho forno feito  de barro, de onde vinham os pães quentinhos no final da tarde, o chá de mate com leite, pão e nata, o jardim florido e bem cuidado, hortênsias,  margaridas, rosas...
Na horta, a couve, a salsinha, a cebolinha e, é claro, os chás para a gripe, a tosse, guaco, poejo, folha de laranja. A brasa da lenha colocada sobre o açúcar e o cheiro daquele tempo, chegando devagarinho... O respeito pela natureza (recordo-me do costume de deixar água nos potes para os passarinhos beberem). Nossa religiosidade. A pequena imagem de Santo Antônio na cabeceira (de quantos sonhos ruins ele me protegeu!) e a de Nossa Senhora na grutinha, em frente da casa, junto das flores.
Havia, também, o benzimento contra “quebranto e mau olhado”: três pedacinhos de brasa quente dentro d’ água, algumas palavras ensinadas (sabedoria passada de mãe para filha, através das gerações), três goles e pronto. Todas as dores sumiam. Como elas somem hoje, ainda, quando recordo desse e de outros fatos.  Lembro das férias da escola: o caminho da casa dos pais para a casa da avó. O rio Itaquarinchim e a ponte que parecia tão perigosa. Cruzá-la, na imaginação infantil, era como cruzar uma fronteira que separava dois lugares muito distantes. Hoje, conhecendo o mapa da cidade, percebo o quanto isso tinha de real: o bairro e o centro, a cidade asfaltada e a cidade sem calçamento.
A cidade que, a partir da minha infância fui descobrindo naquele pequeno roteiro percorrido nos meses das férias escolares, possuía características que só depois de adulta pude compreender. Os odores exalados pelo Frigorífico e pelo Curtume, os trilhos dos trens desativados (mesmo assim, sentia medo de atravessá-los), os sons que vinham do quartel, todas as manhãs. A cantiga para levantar: “ Acorda, Maria Bonita, levanta, vem fazer o café, que o dia já está raiando e a polícia está de pé”.
São fragmentos que ficaram e ajudaram a perceber onde estão fincadas minhas raízes, de onde vem meu sentimento de pertencimento a esse lugar, essa curiosidade pelo passado e a certeza de ser parte dessa história. Prestes andou por aqui, o escultor austríaco Valentin Von Adamovich, que morreu pobre e sem o reconhecimento por suas obras, pisou esse chão, o entregador de gelo –Domingão- percorreu essas ruas várias vezes...

Bedati Finokiet

* In Memorian minha querida avó Genoveva Finokiet.

 
Foto: Casamento de Genoveva Kazmirczak Finokiet ( * 01-01-1919) (+ 10-06-2000)  e João Finokiet  ( * 24-06-1917)  (+07-10-1989)

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Escritos I


CARTA PARA MEUS FILHOS
Bedati Finokiet


 Meus amados, Gabriel e Matheus!
Imaginem estas linhas, como aquelas cartas dos filmes, que viajam distâncias enormes dentro de uma garrafa, pelo mar afora. Imaginem esta carta, encontrada no fundo de um baú, repleto de outros documentos do passado. Imaginem esta carta como aqueles livros de histórias que lemos diversas vezes juntos. Um belo livro ilustrado com fotos de praças, prédios, ruas e pessoas de uma cidade chamada Santo Ângelo. 
Quero lhes dizer desta cidade na qual nascemos, eu e vocês, e explicar aquilo que devem ter percebido, através de palavras e atitudes e por força de meu ofício: o amor que tenho por esta terra e a forma como fui seduzida pela pesquisa sobre sua História.
Foi assim, pesquisando, perguntando e escutando respostas que chegam dos variados tipos de documentos e colhendo depoimentos dos muitos moradores daqui, que passei a ter orgulho de morar em Santo Ângelo e de querer fazer algo para que esse, seja sim, um Lugar bom de se viver.

Um passeio pelo nosso Patrimônio Cultural

Poderia escrever sobre diversas coisas e acontecimentos relacionados aos longos anos que cobrem a História local. Poderia falar de seus personagens, cenários e enredos... Para que guardem um pouco da memória de nossa época, convido-os a realizarem um passeio agradável, visitando espaços considerados referenciais do nosso Patrimônio Cultural.
Patrimônio Cultural que traduz aspectos das transformações ocorridas no decorrer do tempo e que hoje, apesar da divulgação de uma consciência preservacionista, correm risco e, pode ser que não sobrevivam para a posteridade.
Desvendar os mistérios e os segredos por trás do aparente silêncio desse patrimônio, visitado por tantos que vêm de longe para conhecê-lo, é algo que nos leva a desejar descobrir nossa identidade em meio a isso tudo, através do respeito ao legado de nossos antepassados. Esse respeito vem carregado do sentimento de alteridade e da certeza de que se não buscamos conhecer nossa História, acabamos por perder nossos referenciais.
É por isso que inicio, por um dos lugares carregado de significados: o entorno da Praça Pinheiro Machado.

A Praça Pinheiro Machado e suas imediações

Praça Pinheiro Machado, prédio da Intendência (hoje existe ali o prédio da Prefeitura Municipal), Igreja ( substituída pela  Catedral) e seu entorno, em 1900.

Imaginem meus meninos, este local já foi palco de vários acontecimentos. A praça já foi o centro da antiga Redução de Santo Ângelo Custódio, servindo de espaço para a realização de festas religiosas, espetáculos teatrais, exercícios de guerra e, até, uma espécie de torneio chamado de Cavalhada. Contam os relatos, que naquela época (século XVIII), a praça não possuía árvores e, ao seu redor ficavam as casas dos índios, a igreja, o cotiguaçu (casa das viúvas e órfãos), oficinas, colégio, cabildo e casa dos padres jesuítas. Hoje, esta praça é constantemente visitada pelos turistas que vêm conhecer um pouco mais sobre a História das Missões.  Ali, temos expostos alguns remanescentes da nossa antiga redução. Eles estão colocados bem em frente da Catedral Angelopolitana, sendo bases de pilares, colunas e algumas pedras que faziam parte da sua estrutura arquitetônica.
Ao mencionar a praça, é impossível não destacar uma outra preciosidade patrimonial local, a Catedral Angelopolitana, terceira igreja existente nesse mesmo espaço, tendo sido construída no período de 1929 até 1970.
Se pararmos no meio da praça e olharmos em todas as direções, podemos perceber que esse espaço preserva vestígios importantes de um acontecimento estudado e debatido por vários pesquisadores e historiadores do mundo: a fundação dos Povos Missioneiros. É essa experiência, com toda a análise crítica que se deve fazer, o fator a colocar em evidência, por exemplo, o prédio do Museu Municipal (construído a partir do reaproveitamento das estruturas de uma antiga casa guarani do tempo reducional). É, também, essa experiência que coloca em destaque uma rua pequenina, a rua 3 de Maio ( rua Missioneira), tombada como Patrimônio Histórico Local por manter as mesmas dimensões daquele período.
Observando, atentamente, vemos num dos lados da praça, o prédio da Prefeitura Municipal, igualmente tombado por lei municipal por caracterizar, através de sua arquitetura eclética e com influências do neoclássico, um estilo  surgido no início do século XX. Este prédio foi inaugurado em 1929.

 
Praça Pinheiro Machado- Bedati e Gabriel, dez/2009
Também de estilo eclético, temos o prédio da Farmácia Licht, inaugurado em 1926. Veja bem, estamos falando de um prédio, ainda existente e construído em plena década de 1920, uma década conturbada na História do Brasil. Basta lembrar do movimento tenentista, da Coluna Prestes, da Semana da Arte Moderna e da Fundação do Partido Comunista. No âmbito local, este prédio nos faz recordar dos tempos em que existiam poucos médicos no município e os farmacêuticos como o senhor Licht, tinham papel fundamental para os moradores.
Preservar esses e os outros prédios existentes, como é o caso do prédio da antiga casa do major Afonso Cortes (localizada na esquina da Rua Bento Gonçalves com a Marquês do Herval- diagonal com a praça), construído no início do século XX, ou mesmo do atual prédio da Moto Peursi (também construído naquela época e que já  foi sede do Colégio Verzéri e da Estação Telegráfica do Município e hoje possui , exposta no seu interior, uma adega do período jesuítico-guarani), significa valorizarmos essa riqueza patrimonial, deixando um legado para as gerações que virão.
Seguindo em nosso passeio, podemos atravessar a cidade e chegar até uma rua muito antiga, tão especial por retratar épocas. Essa rua já foi a “Rua da Lagoa”, a lagoa onde, as suas margens, carroceiros e tropeiros acampavam. Depois, ela foi a “14 de Julho”, com suas casas de comércio, seu movimento e os trilhos da Estrada de Ferro que avançavam e chegavam pela Marechal Floriano até a esquina com a Marquês do Herval, lá nas oficinas das máquinas. Passado algum tempo, ela recebeu outro nome: “25 de Julho”, mas nunca mudou seu contorno e ainda conserva prédios como o da Casa Ortmann ( Loja Farroupilha), construído em 1916. O mais curioso, da história dessa rua, é que ela chegou a dividir, em certa época, a cidade em dois territórios distintos: o Brasil e a Alemanha, ou seja, o Povo Velho( lado sul) e o Povo Novo(lado norte).
Como dá para perceber, crianças, esta carta/diário poderia se alongar contando detalhes da vida dos moradores a partir de cada um desses prédios, de cada palmo desse chão, cada esquina, cada cor, detalhes da fachada, de cada ano que aparece gravado em alto relevo em muitas das construções, testemunhas de outros tempos.
É possível seguir caminhando e ir cruzando com outras arquiteturas, como é o caso do antigo Cinema Avenida, memória dos dias em que, por ali, transitaram homens e mulheres, crianças e idosos, em busca da diversão, do sonho e da magia do cinema mudo. Descendo pela Avenida Brasil, avistamos mais um dos prédios tombados, uma relíquia que resiste ao tempo: o prédio da Estação Ferroviária, hoje, Memorial Coluna Prestes e Museu Ferroviário. Se aguçarmos nossos ouvidos, talvez, possamos escutar o sino anunciando a partida do trem. De lá vêm as vozes dos passageiros e o apito da locomotiva. Veja só, quanta gente na plataforma esperando para embarcar!
Embarquemos, pois, na viagem imaginária para seguir em frente, só parando quando percebemos a sombra da velha Magnólia, tão grandiosa com seus galhos que parecem querer abraçar a todos os visitantes, numa agradável acolhida. Deixe sua sensibilidade trazer à tona as imagens dos tropeiros ali acampados, através dos sons dos relatos que ficaram na memória.
Para terminar nosso passeio, que poderia perdurar por mais páginas, escolhi levá-los a dois distritos que expressam a contribuição de outras culturas para a formação étnica local e o desenvolvimento econômico do município, são eles: Lajeado do Cerne e Buriti. Cada qual serve de exemplo para dizer da variedade de costumes que possuímos em função dessa miscigenação étnica. Poderíamos fazer alusão aos outros distritos, de igual importância, porém, isso ficará para uma outra carta.
Do Lajeado do Cerne, podemos falar dos sabores e cheiros originários da cozinha típica italiana e do Museu existente, com toda uma variedade de objetos conservados como testemunhos dos primeiros imigrantes aqui chegados. Vale destacar a beleza e o encanto da casa do primeiro imigrante italiano de Lajeado do Cerne, Valentin Colovini, construída por ele e seus filhos no início do século passado. Essa propriedade preserva características do estilo italiano de construções, merecendo, pois, uma atenção especial para que não se perca, enquanto registro de uma época.
Indo ao distrito de Buriti, percebe-se a forte característica da imigração alemã, a partir de suas casas e demais construções. Vale destacar a existência de um rico acervo fotográfico custodiado por muitas famílias, além do Santuário de Fátima, localizado no sítio do padre Gebert, onde existe, também, um museu com diversos materiais relativos à colonização local e regional.
Bem, queridos Gabriel e Matheus, é para vocês que deixo este relato, para que a notícia desses dias não se perca. Espero que , assim como eu, possam ter o privilégio de conviver e conhecer essa paisagem descrita/inscrita através do tempo e do espaço e que ficarão gravadas nas nossas memórias.