quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

ESPAÇO E TEMPO/ PATRIMÔNIO E HISTÓRIA


BEDATI APARECIDA FINOKIET

“En un nivel más profundo, los cimientos materiales de la sociedad, el espacio y el tiempo, se están transformando y organizando en torno al espacio de los flujos y el tiempo atemporal”. (CASTELLS, 1998:512)

Quando CASTELLS (1998) nos coloca essa questão do espaço dos fluxos e do tempo atemporal, isto é, da efemeridade eterna, da dissolução do tempo e sua desordenação, da seqüência dos acontecimentos assim como os conhecíamos até o momento, ele nos aponta novos paradigmas para a atualidade, colocando em pauta a simultaneidade desse tempo que muitas sociedades já defrontam. Nessa mesma linha de pensamento, este autor aborda o fato de hoje existir o “el espacio múltiple de los lugares, diseminado, fragmentado y  desconectado...” (CASTELLS, 1998:502), revertendo conceitos e padrões no que se refere às próprias relações dos indivíduos nesse espaço e tempo. É claro que, sabedores das desigualdades de informação e desenvolvimento, visualizamos aí outra desigualdade, ainda mais profunda, verdadeiro abismo entre tantos lugares do planeta, por apresentarem-se em desconexão entre si: ao passo que uns inserem-se nessa sociedade em rede, outros permanecem, como declarou CASTELLS (1998), numa atitude de lamentação perante a atemporalidade, estando ligados, ainda, àquele tempo antigo, ordenado em uma seqüência cronológica.

Ao trabalhar conceitos tão profundos que são o alicerce, a base da sociedade, ficamos a perguntar-nos se nessa nova concepção há lugar para a preocupação com a memória, a identidade e o patrimônio cultural. Sendo assim, o texto que aqui se segue é permeado de indagações e algumas certezas, buscando um “porto seguro” onde ancorar.

Tendo presente a imensa riqueza patrimonial, que gerações consecutivas produziram e ainda produzem, e a sua direta relação com a memória e a história (temas tão pertinentes neste momento, quando o homem busca sua identidade), como fica esse homem  frente a essa avalanche, ou melhor, terremoto, que abala as estruturas?  O que fica claro na nova ordem dos acontecimentos que se configura é a sentença do “atraso” infligido às pessoas que não acompanham o avanço da tecnologia da informação. Estarão essas pessoas condenadas à exclusão?  Ficarão elas desconectadas da rede, alheias à “civilização”?

Parece que preocupações com o antigo, com o patrimônio cultural, evidências materiais e imateriais (costumes, língua, brincadeiras, etc), calca-se na idéia do tempo que conhecemos e nos acostumamos no nosso dia-a-dia, o tempo do relógio, das horas e dos minutos, delineando os afazeres naquele espaço interligado a outros tantos espaços.

Todo o indivíduo é herdeiro de uma coletividade, de uma cultura, e traz em si os traços coletivos e culturais que vão determinar em grande parte o seu desempenho na sociedade. Conhecer os pais, sugar o leite materno, dá ao ser humano as bases estruturais de sua personalidade. Reconhecer o passado cultural de que somos herdeiros dá-nos a garantia do equilíbrio de nossa identidade cultural possibilitando-nos os meios de um bom relacionamento com o nosso presente e uma melhor perspectiva do nosso futuro. (HORTA)


Na sociedade em rede, talvez não exista espaço e tempo para sugar o leite materno, no sentido de manter laços com o passado. Nessa sociedade as coisas andam a passos largos e o indivíduo perde-se em meio ao fluxo.

O indivíduo do qual falo não é somente aquele do passado, das ruas e prédios antigos, das horas medidas pelos acontecimentos da natureza; é, também, o indivíduo atual, que move-se num cenário cheio de apelos à memória e aos quais ele não responde por não conhecer ou não reconhecer ali a sua história.

Fazer com que esses indivíduos apropriem-se desses elementos, transformando-os em motivação para o ensino, não é tarefa das mais fáceis, requer uma consciência dos papéis aqui desempenhados, requer, até mesmo, um questionamento sobre quem produziu os bens patrimoniais, em que circunstâncias e para quê.

Para exemplificar, podemos tomar fragmentos da história de uma simples rua chamada primeiramente de Rua da Lagoa, depois, Rua 14 de Julho, Rua 25 de Julho e, hoje, conhecida por Rua do Calçadão.

Esse espaço, em diferentes épocas, desempenhou funções determinantes relacionadas com economia, a sociedade, a política e a cultura, na cidade de Santo Ângelo.

Tomando por base o início do repovoamento, nos idos de 1860, ali encontramos uma lagoa em cujas margens viajantes paravam para descansar à sombra de árvores ou pernoitar com suas tropas de gado, a fim de seguir viagem no dia seguinte.

Nos anos posteriores, já como Rua 14 de Julho, numa alusão à queda da Bastilha e à promulgação da constituição do estado do Rio Grande do Sul, o mesmo espaço delineou  uma nova configuração na História do município: a rua, outrora considerada demarcatória do final dos limites urbanos municipais, passou a demarcar um espaço caracteristicamente étnico, como se ali existisse, plantado em meio ao sítio urbano, um muro, como uma linha de Tordesilhas, diríamos, a demonstrar a existência de dois países fictícios (Brasil e Alemanha), dentro do mesmo município, frutos de tradições incorporadas e arraigadas no convívio dos moradores.

Tal fato se originou da própria ocupação, em tempos distintos, do lado sul e do lado norte de Santo Ângelo (a partir da rua que, coincidentemente, não observa o sistema quadriculado das outras, conforme o planejamento urbanístico do período jesuítico-guarani), por indivíduos e famílias de origem portuguesa, no mesmo lugar ocupado anteriormente por casas, igreja, claustro, escola, cemitério e oficinas da antiga redução, e por famílias de origem alemã, chegadas com o advento da estrada de ferro, do lado norte da cidade.

Segundo sua trajetória evolutiva, observamos a mudança de nome, na década de 1950, para Rua 25 de Julho, em homenagem à imigração alemã e, conseqüentemente, ao colono. Agora a rua passou a destacar-se como centro comercial para onde convergiam carroças vindas do interior trazendo os produtos agrícolas a serem comercializados em bolichões, vendas ou casas comerciais ali  localizadas.

Daí por diante, esse logradouro assumiu uma posição estratégica para o desenvolvimento local, vindo a receber um calçadão, espaço cultural e social de relevo para os moradores.

A rua 25 de Julho é apenas um entre tantos referenciais patrimoniais que podem ser plenamente utilizados dentro da metodologia da Educação Patrimonial, podendo esse enfoque estender-se para tantos outros bens edificados ou produzidos pelos homens, atualmente guardados e preservados nos museus e arquivos históricos.

A questão a ser levantada ao debatermos a temática da sociedade em rede nos direciona para uma análise de como conjugar as mudanças rápidas que a própria evolução humana em termos tecnológicos produz com pressupostos como Memória e Identidade.

Que lugares foram ou serão reservados, no presente ou futuro próximo, para alguns, nos quais existirá possibilidade para falar, pensar ou  viver essas questões?

Uma proposta que trabalha basicamente com os sentidos, a observação e a emoção é cabível nestes novos tempos?

Pensar em termos de ensino e educação nos níveis propostos de descoberta e valorização da identidade local, com o intuito de estabelecer um bom relacionamento com o passado e de melhorar a perspectiva para o futuro, é viável?

Ouso arriscar respostas em vista das minhas convicções, se não, de nada adiantaria conservarmos com tanto zelo nossos bens patrimoniais.

Nesta sociedade em rede, atemporal, com espaços de fluxos, onde o homem é capaz de acionar uma quantidade enorme de informações em segundos, onde ficaria o tempo para conhecer e vivenciar as experiências dos antepassados?

Acredito, sim, nesses conhecimentos como ferramentas para o melhor relacionamento dos seres, na tecnologia sendo utilizada para reconstruir ou reconstituir, ao longo de pesquisas, o espaço habitado tempos atrás, como é o caso dos computadores, que podem, por meio de diversas fontes documentais, remontar os cenários arquitetônicos antigos das cidades.

Eis o valor da sociedade em rede: recuperar informações passadas, trazendo e divulgando no presente o que se julgava perdido ou desconhecido.

La historia sólo está comenzando, si por ella entendemos el momento en que, tras milenios de batalla prehistórica com la naturaleza, primero para sobrevivir, luego para conquistarla, nuestra especie há alcanzado el grado de conocimiento y organización social que nos permitirá vivir en un mundo predominantemente social. Es el comienzo de una nueva existencia y, en efecto, de una nueva era, la de la información, marcada por la autonomía de la cultura frente a las bases materiales de nuestra existencia. Pero no es necesariamente un momento de regocijo porque, solos al fin en nuestro mundo humano, habremos de minarnos en el espejo de la realidad histórica. Y quizás no nos guste lo que veamos. (CASTELLS, 1998:514)


A história ou a nova fase da história que “só está começando”, nos coloca o grande desafio de não renegarmos nosso passado em nome dos atuais elementos que agora surgem.
Podemos, sim, fazer um bom uso deles, colocando-os a serviço de projetos como os de restauração de bens arquitetônicos, recriação, através do meio virtual, de antigos espaços para servir à educação patrimonial e à preservação da memória.

Creio que o valor do lugar e, por conseguinte, da história desse lugar:  com seus indivíduos, casas, ruas, praças e memórias, não irá perder-se, mesmo com o fato da globalização que hoje é algo a nos atingir nas nossas relações cotidianas. Essa globalização levou-nos a uma “nova relação com o mundo, porque o vemos por inteiro” (SERES)

Conforme SANTOS (1996):
Na verdade, a globalização faz também redescobrir a corporeidade. O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a freqüência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de aprender. Talvez, por isso mesmo, possamos repetir com Edgar Morin (1990, p. 44) que “hoje cada um de nós é como um ponto singular de um holograma que, em certa medida, contém o todo planetário que o contém. (SANTOS, Milton, 1996:251)


Sejamos, então, corpo constituído  de memória e identidade, referência da nossa história, indivíduos capazes de um bom relacionamento com esses espaços e tempos, em rede e atemporal, mas sem descuidar daquilo que foi constituído ao longo dessa trajetória da humanidade e nos é tão caro: o nosso patrimônio cultural.










BIBLIOGRAFIA


CASTELLS, Manuel. La era de la información. Economía, sociedad y cultura. v. 1. Madrid : Alianza, 1998.

HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Educação patrimonial.  Vv. I e II. Mimeo S/R.      
SANTOS, Milton. A natureza do espaço – técnica e tempo. Razão e emoção. São Paulo : Hucitec, 1996.

SERES, Michel. [Entrevista a Bernardo Carvalho.] Folha de São Paulo, 21/4/1990.












ANITA GARIBALDI: A HEROÍNA DE DOIS MUNDOS

Ana Maria de Jesus Ribeiro era seu nome. A jovem heroína de dois mundos: Brasil e Itália, nasceu no dia 30 de agosto de 1821, em Laguna ,Santa Catarina. Sua mãe, Maria Antonieta de Jesus, era natural de Lages (SC), e seu pai, Bento Ribeiro da Silva ( tropeiro condutor de gado e lavrador),nascera em São José dos Pinhais (PR).
Após a morte de seu pai e de três irmãos, casou-se  aos 14 anos, com o sapateiro Manuel Duarte  de Aguiar, que tinha o dobro de sua idade.
Foi durante a tomada de Laguna, em julho de 1839, que Anita veio a conhecer aquele que seria o grande amor de sua vida, o italiano Giuseppe Maria Garibaldi, um dos líderes farroupilhas que, juntamente com David Canabarro e Joaquim Teixeira Nunes, proclamaram a República Juliana, em Santa Catarina.
A vida  de Anita mudou totalmente a partir do momento que tomou a decisão de acompanhar Garibaldi, tornando-a uma das personagens que marcaram o episódio da Revolução Farroupilha, por sua bravura e coragem. Ao lutar ao lado de Giuseppe e dos farroupilhas, enfrentou as situações mais inusitados, como  quando foi feita prisioneira pelas forças imperiais e fugiu em um cavalo, atravessando o rio Canoas agarrada às crinas deste, estando grávida de quatro meses
Logo que seu primeiro filho (Menotti) nasceu, novamente passou por outra situação difícil: para escapar do ataque dos imperiais, teve de fugir  com seu filho, a cavalo, quando estava com apenas 12 dias do parto.
Em 1841, após ser dispensado do exército farroupilha por Bento Gonçalves, Giuseppe Garibaldi seguiu com sua companheira Anita para o Uruguai. Lá, ele passou a dar aulas de matemática, história e caligrafia enquanto Anita costurava para auxiliar no orçamento doméstico.  Foi neste país que eles se casaram, no dia 26 de março de 1842, pois Anita já estava viúva do primeiro marido.
Foi em Montevidéu que Anita teve mais três filhos: Rosita, Teresita e Ricciotti. Nessa época, Garibaldi lutou ao lado do presidente Fructuoso Rivera, contra Rosas, criando a Legião Italiana. Anita foi incorporada à Legião como enfermeira, pouco tempo depois da morte de sua filha Rosita.
Somente em 1847, ela  e seus filhos iriam para a Itália, onde aguardariam a chegada de Giuseppe.  Nesse país, mais uma vez, a  destemida Anita iria lutar ao lado de seu amado, durante o processo de Unificação Italiana.
Anita e seus três filhos foram recebidos com muitos festejos em Gênova. Conforme ela relatou em uma carta a um amigo: “(...) mais de três mil pessoas vieram gritar em frente à casa: Viva Garibaldi! Viva a família de nosso Garibadi!”
Quando  Giuseppe Garibaldi retornou para a Itália, passou a participar intensamente das lutas pela Unificação Italiana. Em 1849, quando  ele estava sitiado em Roma pelos franceses, Anita resolveu ir ao seu encontro para lutar ao seu lado, deixando seus filhos sob os cuidados da avó paterna. Mesmo grávida de seis meses, lutou heroicamente quando da retirada de Roma.  Nessa  época, estava bastante adoentada, com febre, e mesmo assim, acompanhou o marido na resistência aos austríacos.
Após participarem da luta e fugindo de forma espetacular, o casal foi buscar abrigo e segurança na fazenda Guicciolo, em Mandriole. Já bem debilitada, Anita falece ali, no dia 4 de agosto de 1849. Assim escreveu Garibaldi sobre a perda de sua amada companheira: ”Eu chorei amargamente a perda de minha amada Anita. Aquela que foi companheira inseparável nas mais aventurosas circunstâncias da  minha vida.”
Em função da aproximação das tropas austríacas, Garibaldi partiu da fazenda e o corpo de Anita foi enterrado num pasto próximo da casa Motte della Pastorara. Posteriormente seu corpo foi retirado dali sob a responsabilidade do pároco de Mandriole que providenciou o registro do sepultamento dos restos mortais de Anita, para que ela pudesse ser identificada posteriormente.
Após quase uma década, seus restos mortais foram exumados e clocados na sacristia, dentro da igreja de Mandriole. Dois meses depois, Garibaldi e seus filhos Menotti e Teresita vão a Mandriole  e levam os ossos de Anita, num cortejo solene , para depositá-los em Nice ( ainda italiana), no túmulo de sua mãe Rosa Raimond.
Novamente, em 1931, os restos mortais de Anita foram exumados e levados para Gênova, temporariamente. No dia 2 de junho de 1932, em solenidade oficial, os restos mortais de Anita Garibaldi foram depositados  à base do monumento levantado em sua honra, em Roma.
Em 1998, a cidade de Laguna  tomou a iniciativa de repatriar os restos mortais da heroína dos dois mundos, sendo criados um museu e uma fundação cultural em sua homenagem.